Um dedo de prosa — Realismo moderado dos universais e as universidades
Ao promovermos a obra Deus, filosofia e as universidades, lançamento de nossa Devenir editora, um amigo protestou quanto ao rebuscado linguístico inapropriado utilizado para uma divulgação e promoção ao público leigo comum, ainda mais se via Instagram. Efetivamente as redes sociais notabilizam-se pelo viés zip zap de comunicação e me esforcei, juro, para melhorar a forma (design) e seu conteúdo, em duas ou três frases sintéticas. Entrementes, a forma de uso de um conceito lhes chamou a atenção: “ente”. O que queria dizer com “necessidade imperiosa de continuidade sobrenatural dos entes” num processo de formação moral e educacional? Questionou o nobre colega. A mensagem no Instagram ficaria,
“‘DEPOIS DA VIRTUDE’ nos revela a mudança inicial da postura moderna de MacIntyre. Em ‘TRÊS VERSÕES RIVAIS DA INVESTIGAÇÃO MORAL’, temos o passo firme para os diferenciais da razão prática propiciada pelo tomismo. Mas é em ‘DEUS, FILOSOFIA E AS UNIVERSIDADES’ que o filósofo escocês parte para a necessidade imperiosa de continuidade sobrenatural co-participativa dos entes em todo seu processo de formação moral e educacional.”
O que esses três livros têm a ver com o realismo moderado dos universais? O que tudo isso significa para o pobre e limitado ente humano? Bom, o autor em comum, Alasdair MacIntyre, notabilizou-se pelo direcionamento aristotélico tomista, mas em constante diálogo da tradição com as demais correntes contemporâneas. E o primeiro livrinho, extremamente “técnico” de tomas de Aquino foi Ente e Essência, escrito aos 21 anos de idade. Confesso que eu mesmo penei e continuo penando no seu entendimento. Mas a vida continua, e em nossa era quântica já desistimos de entender tudo quanto é idioma disciplinar que nos aparece. Quanto as teses quânticas e a narrativa de um ente-sem-ser dum Stephen Hawking retomo logo mais.
Em seguida postei algo assim:
“O que é justiça? Desde o enigma epistêmico de Epiteto, em Platão, honestamente saberemos que nunca estará num direito normativo operante. Em Deus, filosofia e as universidades a série juslogos da Devenir inicia uma proposta mais “ôntica”, via Tradição, em que somente por princípios universais, fatos, valores e normas ainda poderão servir à dignidade de ser pessoa humana.”
Puxa vida, Murilo, piorou, proposta “ôntica”, que raios é isso? Bem, se realmente buscamos a dignidade de seres pessoais, convenhamos que já não seremos entes quaisquer e se já não nascemos com todo esse potencial atrelado à metafísica do ser precisamos construir isso nas circunstâncias culturais e materiais de nossa práxis em devir, prática de ente-ser. Como minhas pesquisas filosóficas se iniciaram na figura ou filosofema de Mário Ferreira dos Santos, sinto-me na obrigação de promover também sua arte literária e seu “idioma” mais especializado. Os que assistiram ao menos 100 ou 150 aulas do COF saberão associar, ainda que por analogia, a ontologia do ser com a realidade ôntica dos entes e talvez mentalmente imaginar uma realidade “ôntica-ontológica”. Creio que a proposta macintyriana de diálogo deôntico e racional com os contemporâneos, via tradição, passa necessariamente pelo aperfeiçoamento do vocabulário. Foi numa bela e recente palestra de um advogado * sobre Wolfgang Smith que me inspirou essa “sentença”, originalmente inspirada na triologia de Miguel Reale, do fato-valor-norma. Explico melhor: valor aqui entra como um componente subjetivo do ente e aí está o problema epistêmico desde Epiteto, se mudanças operacionais normativas já são um problema pelo desconhecimento ontológico do ser das coisas, a valoração de entidades subjetivas sem o critério dos princípios objetivos externos ao indivíduo (afinal, que jurista do STF hoje entende de Reale?) só pode resultar num arremedo para atender circunstâncias de curto prazo que um dia darão, desculpem, só m@rda mesmo.
Agora, se a modernidade nada nos ajuda a buscar o senso mito-poético da episteme platônica, imaginem um diálogo quântico-einsteiniano destituído das tradições da razão teorética?
“Depois que Stephen Hawking ressuscitou a geração espontânea, as disciplinas humanas acadêmicas continuaram dando amém às ciências “duras”. Por que persistem em tamanha tonteria? Em Deus, filosofia e as universidades, da série juslogos, algo do problema maior das universidades hodiernas será aventado. No mundo dos dados empíricos e das crises randômicas, em meios de linguagem e símbolos forjados, lições da tradição metafísica nos ajudam a responder.”
Não é brincadeira não, para entender a randomização do cosmos, até lógica quântica está sendo relativamente bem estabelecida, fora os resultados da computação quântica. Entre a mecânica clássica térmica de Boltzmann e a física a teoria da estrutura interna do átomo de Bohr adveio a crise epistemológica da física. Os paradoxos do micro e macrocosmos forjaram idealizações fantasiosas justificadas por infinitos universos paralelos, refutada por pesquisas mais avançadas. Enquanto estas continuam mal-entendidas, o ensino acadêmico permanece instruindo rotas balísticas de balas e torpedos no universo do mesocosmos da simplória mecânica (causa eficiente) newtoniana.
“Ter passado por uma crise epistemológica capacita os adeptos de uma tradição de pesquisa a reescrever, com sucesso, sua história de um modo mais profundo. E essa história de tradição particular fornece não apenas um modo de identificar as continuidades em virtude das quais essa tradição de pesquisa sobreviveu e floresceu, enquanto uma única e mesma tradição, mas também de identificar mais exatamente a estrutura de justificação subjacente a todas as reivindicações de verdade feitas nessa tradição, reivindicações que são diferentes e mais profundas do que asserções de promessas de comprovação plenamente garantida.”
O conceito de verdade, no entanto, não é nem randômico nem determinístico é atemporal, como convém, entre outros tantos, aos conceitos metafísicos de potencia e ato, conclui MacIntyre. Nem está na mente nem de todo inacessível nas coisas in RE. A continuidade de atos morais, por serem teleológicos, dependem de elementos externos aos desejos e rejeições dos sentimentos humanos e as melhores crenças verdadeiras justificadas são aquelas que condizem com a estrutura da realidade sobrenatural, universal, na economia participativa do ser.
Por enquanto ficamos por aqui. Para entender como as versões rivais à tradição se comportam nas disputas narrativas recomendamos os Tres versões rivais, breve nas livrarias, para sua repercussão nas práticas morais, Conflitos morais da modernidade, com lançamento em seguida, pela Devenir. Em tempo, o Olavo de Carvalho se foi, Wofgang Smith e Alasdair MaIntyre ainda vivem, não muito mais; nonagentário, Smith propõe a intanciação de causalidades em escala vertical em consonância diretiva, de Deus em sua cosmogênese, ao devir ôntico da causalidade “horizontal” empiriométrica dos entes.
Segue uma bibliografia básica de investigação “atemporal” paralela ao das nossas universidades. Uma primeira aproximação de arte liberal do autodidata. Sigamos.
* o advogado chama-se Jeferson Oliveira, presidente do Centro são Domingos Sávio, a quem agradeço a brilhante apresentação sobre as obras de Wolfgang Smith; e, sobretudo, sua perspectiva de interpretação bíblica e católica.