Murilo Veras

Murilo Veras

Eng. Agro., MSc, Filosofia (esp)

O pensamento econômico de Bertrand Nogaro e a dialética dos valores (com e sem Bitcoin)

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valores de uso e de troca em trade off
valores de uso e de troca em trade off

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Bertrand Nogaro (1880–1950), nasceu em Paris, foi professor da Faculdade de Direito de Paris, deputado e membro da academia francesa de ciências morais e políticas. Mesmo na Wikipédia em francês quase não consta sua biografia, mas pode-se contar nada menos 23 obras publicadas, somente entre as principais. A obra objeto desta resenha faz referência às seguintes, em ordem de publicação: Éléments d’économie politique, 2 vol., 1914, La Méthode de l’économie politique, 1938 e Cours d’économie politique, 1941. La Valeur logique des théories économiques, 1947, foi publicado depois mas pode ser considerado o marco metodológico que vai consagrar um possível status questione ainda (imerecidamente) pouco conhecido do pensador econômico. Considerando a estrutura didática Le developpment de la pensée economique em fase mais madura de suas reflexões, esta obra mereceria o destaque quanto a um dos maiores insights desse pensador: a de que a Economia, mais que outras ciências, vai mostrar uma “sequência de teorias, que se vão substituindo por complementação, e que a complexidade do fenômeno econômico obrigam-nas a serem refeitas continuamente”. Esse caráter de substituição por complementação aludido por Nogaro, “é evidenciado, de maneira inequívoca, pela teoria do valor” (Guimarães, 200x [1]). No Brasil, tal refazimento será melhor desenvolvido em inúmeras outras obras do filósofo Mario Ferreira dos Santos, em uma feliz confluência entre a filosofia e as ciências sociais e, particularmente, entre a filosofia dos valores e da praxis (axiologia e praxeologia).

Le developpment de la pensée economique discorre sobre a evolução do pensamento econômico em curso incremental de riqueza cognitiva com o inédito crescimentos das ciências exatas e sociais, e também em vieses de retrocesso no adequado entendimento do que já fora intuitivamente percebido pelos principais precursores do pensamento econômico. Inicia um capítulo com os que seriam os primeiros precursores. Entre eles, o destaque notório fica para o Cantillon. Já neste pesquisador teórico e prático fica patente a capacidade intuitiva — em seus elementos de observação empírica acurada, daquele que soube relevar a perspectiva dual e complementar dos valores na economia. Em seguida, três capítulos exclusivos dedicados a Adam Smith, Say e Ricardo, e Stuart Mill; fechando a primeira parte dedicada aos principais mentores da economia “clássica”. Na sequência, Nogaro discorre sobre os principais seguidores das tendências clássicas no contexto de duas grandes correntes de pensamento do século XIX: o historicismo e o realismo. O antagonismo entre essas duas correntes já demonstra um problema epistemológico equivocado que vai marcar a necessidade de revisão paradigmática e estrutural… culminando com a revisão radical dos princípios da economia, sobretudo no tema do valor e, particularmente na efetivação temporal do uso de recursos materiais cada vez menos dependentes de uma limitação “fixa” de disponibilidade do capital terra e mesmo dos esforços comensuráveis do trabalho… Se, como veremos, os custos ainda devem ter seu papel preponderante na formação do valor, do lado da oferta, era evidente que a formação dos preços deveria ser entendida pelas diferentes valorações temporais no lado demanda…. O marco epistemológico do paroxismo criado se firmou com a confluência de três métodos distintos de abordar o problema, em Menguer, Walras e Jevons, discutido no capítulo seguinte: o marginalismo da escola de Viena. A cidade em si, localizada na Áustria, na perspectiva da obra terá uma conotação adicional para os desdobramentos metodológicos seguintes, como que numa propulsão quase descontrolada de interpretações atreladas a visões de mundo, quando finalmente se voltará a enfocar, com devido cuidado, o problema filosófico inerente a mera “acomodação” de teorias, leis naturais ou normativas e fenômenos observados na história de indivíduos e agrupamentos antropossociais [2].

Aparentemente vencido o historicismo marxista, o conflito de métodos pareceu viver um momento de trégua com os inusitados esforços de acomodações teóricas em sistemas de equilíbrio econômico da escola de Laussense (Escola “matemática” ou walrasiana” da Universidade de Lausanne — seguida por Pareto?), discutido no capítulo seguinte. As tentativas de suspension of desbelief em relação a estimação dos consumidores e, pior, às intencionalidades não tipificadas dos agentes políticos naturalmente trouxeram de volta a necessidade de complementariedade entre as mensurações matematizáveis e os princípios clássicos, a essa altura um tanto entorpecidos, acrescidos das grandes inovações epistémicas, metafísicas e mesmo existenciais. Os últimos capítulos vão retratar as disputas pelo resgate de um direcionamento clássico que vai redundar em neoclassicismo, bem como em verdadeiros conglomerados de correntes, visões de mundo e ideologias que vão ditar as principais tendências do pensamento econômico contemporâneo, ora gravitando em torno de uma ortodoxia mainstrean, ora navegando de forma mais errante em clara oposição de domínio filosófico e ministerial aos excessos de um cânone científico… Se a postura for delimitada entre o encadeamento de atos humanos que nos são inteligíveis e a razão inteligível dos fenômenos observados, então será a própria inteligibilidade das ações antropossociais, como encaminhamento metodológico, que deverá ser objeto de interpretação hermenêutica — como de resto, o será de todas as ciências sociais. Tendo-se definitivamente incorporado a devida condicionante de incertitude da praxe humana — com seus instrumentos probabilísticos, coube a ciência econômica restituir a “persistência do espírito dedutivo” (p.332) por entre a divergência de métodos a dar uma mínima credibilidade às proposições econômicas e metaeconômicas — depuradas de erros e “irracionalidades” restritas de seu campo de atuação, e a obra encerra com o possível status questioni da discussão (meta)científica do conflito dos métodos.

Segundo Cailé, o caráter tautológico e circular da teoria do equilíbrio geral foi perfeitamente revelado, ainda no final da primeiro metade do século passado (1947), por Bertrand Nogaro, num livro injustamente desconhecido e esquecido: Le valeur logique des téories économiques, de 1947 (Cailé, 2001 [3])

“Mais que outras ciências, a Economia mostra uma sequência de teorias, que se vão substituindo por complementação, e que a complexidade do fenômeno econômico obriga a serem refeitas continuamente”. Esse caráter de substituição por complementação aludido por Nogaro, “é evidenciado, de maneira inequívoca, pela teoria do valor”. Assim, RICARDO está certo, quando empresta ao custo o papel preponderante na formação do valor e encara o fenômeno da troca, sob o ponto de vista da oferta. Em analise contrária e complementar, JEVONS tem razão, quando insiste no conceito de final degree of utility na análise do mesmo fenômeno como fator preponderante na formação do preço, sob o ponto de vista da procura (Guimarães, ? [4]).

Muita coisa mudou desde os tempos de Nogaro, e o trade off de valores das moedas parecem ter se pronunciado, com valores de conta mais depreciados que nunca e valores de reserva financeira mais distante da realidade. Em meu O que é Bitcoin, numa visão interdisciplinar, confronto as antinomias desses valores baseado na dialética de Mário Ferreira dos Santos. Talvez, finalmente, o Bitcoin quebre a hegemonia da moeda fiduciária com seu lastro quase inexistente. Espera-se que novos métodos sejam desenvolvidos para entender o processo de disputa de mercados num ambiente de crise entre as nações e os players da cibernética intangível e da logística de bens tangíveis. Além de uma maior confiança nos lastros matemáticos do bitcoin – numa redução marginal de seu estoque fixo -, poderá uma logística de transações em blockchain mudar a dinâmica deste jogo? É pagar para ver.

[1] CAILE, A. O princípio de razão, o utilitarismo e o antiutilitarismo. Soc. estado. vol.16 no.1–2 Brasília June/Dec. 2001

[2] O paralelo com as discussões do papel das ciências pela escola de Viena é inevitável. Nogaro discorre in passant sobre a escola analítica….

[3] GUIMARÃES, J. N. Faculdade Nacional de Ciências econômicas da Universidade do Brasil, J. Nunes Guimarães. Fonte: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/2432/2582 e-ISSN 0034–7140).

[4] CAILE, A. O princípio de razão, o utilitarismo e o antiutilitarismo. Soc. estado. vol.16 no.1–2 Brasília June/Dec. 2001

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