Com o aumento da desconfiança no dólar e a expectativa deflacionária do Bitcoin o jogo começa a mudar de posição. Os “investimentos” em criptomoedas, ao menos como reserva de valor, vão se aproximando da clássica reserva de ouro, esta estimada em cerca de U$ 5,5 trilhões. A mainstream dos economistas, como da escola de Chicago, dificilmente vão aceitar que tais aportes sejam investimentos reais. Argumentam que somente moedas formais podem estabelecer as relações contratuais e de troca de ativos reais, principalmente daqueles que exigem escala nas compras à vista e contrapartida de bens em garantia no pagamento de empréstimos a prazo. Efetivamente o Bitcoin ainda não tem escala e estabilidade necessária para as trocas quotidianas, a confirmação de uma transação pode levar de 20 min. a 4 horas. Entrementes, deve ser questão de tempo de maturidade dessa moeda digital, não muito, para ganhar as máquinas ATM nas ruas. E como reserva de valor vem ganhando força suficiente para gerar preocupação do FED americano.
O Dilema de Triffin nos diz que o trade off entre as economias domésticas e o sistema financeiro internacional gera uma queda de braço entre os reais geradores de riqueza e os especuladores amigos do Rei, os governos e seus bancos centrais, o sistema monopolista de moedas fiat (de curso forçado). O estreitamento do cone de consumo somente foi possível pela emissão desenfreada de moedas fiat e à custa de impostos exorbitantes, principalmente após a crise de 2008. Como, pela “lei” de Laffer, há um limite para a arrecadação de tributos, uma hora os governos terão que negociar com toda a base de contribuintes formais (além dos informais).
Ora, pelo princípio da subsidiariedade, essa base não se constitui só de trabalhadores assalariados, mais que nunca, depende de toda uma cadeia de logística de suprimentos, com toda uma diversidade de elos intermediários. O arranjo da produção exige toda uma cadeia paralela de serviços de coordenação dessas etapas de acordo com mercados locais e internacionais, do campo às gôndolas dos supermercados da pesquisa de sementes geneticamente melhoradas a seu uso a campo, 6, 10, 15 anos depois de iniciada, com diferentes aportes de capital e riscos.
Em meu O que é Bicoin, uma visão interdisciplinar, exploro mais essa problemática, pautada, entre outros, pelo problema dos juros manipulados, e até do bizarro “juros negativos” nas últimas décadas. O que convém ressaltar por agora, avaliando o princípio das relações sociais subsidiárias, desde pelo menos os alertas da Doutrina social da Igreja, é que todo excesso de centralização provoca a reação contrária da descentralização. Atualmente parece vivermos o extremo da capacidade de resiliência dos mercados e serviços intermediários. Então, a questão seria, até quanto do capital dessa classe inteira, aplicando em Bitcoin, vai e deixar de contribuir para o perverso jogo de filtros e desvios do dinheiro nos ativos reais? Em algum momento terá que liquidar a fatura, adquirindo ou reinvestindo em bens concretos.
Neste ínterim certamente a queda de braço se estenderá a todos os atores da Economia, com aumento, e não mais diminuição, do poder de barganha da base. Espera-se o aumento da capacidade de uso de moeda não tributável e não inflacionada, para desamparo dos amigos do Rei, para a volta de uma mínima normalidade socioeconômica.
É um visão otimista, mas viável. Vai depender da resiliência ativa dos inimigos da corrupção e das extorsões financeiras e monetárias de um Estado que já se acha todo poderoso.