Três etapas da inteligência prática
Fórmulas do trivium – Gramática, Dialética e Retórica:
Se, para o aprendiz iniciante é preciso antes aprender para melhor crer, observando os resultados práticos pelas melhores fontes (indução em G) e para o mestre amadurecido crer para melhor entender (DR ou RD), deduzindo as fontes teóricas (dedução em G) para observar as melhores práticas; a inteligência prática resultante de uma verdadeira Arte exige algo mais que confrontação entre teses racionais e vontade de ação. Aí, como veremos na “etapa-patamar” 3, todo um bom juízo prudencial vai exigir mais que uma coleção de conhecimentos, e sim todo um mapeamento de postulados, princípios e definições em que as razões necessárias das ciências especializadas e particulares são ponderadas, por analogia, com os mundos possíveis, gerais e universais, desde a cosmogênese [algo mais que a cosmologia de Galileu!] até a experiência mística e mito-poética, passando por graus crescentes — verticais e ascensionais — de inteligibilidade.
Na arte clássica do Trivium, o aprendiz obviamente se depara com a limitação dada pelo seu patamar próprio de inteligibilidade (digamos, as Camadas 4 a 6 da Personalidade, do Olavo, vide anexo). Então inicia por um G mais elementar e, por não estar preparado para disputas dialéticas, vai seguir apenas a lógica mais elementar — nem por isso menos humana e até lúdica —, para treinar sua arte de convencimento, de si mesmo, primeiro, e depois aos outros. Certamente temos então, etapa 1: GDR.
Ora, o estudo é uma obrigação permanente, mesmo dos que buscam mais crer para depois entender, o ideal do verdadeiro mestre espiritual. O estudioso, agora aspirante a mestre de ensino, incluindo-se os pais para com seus filhos (a Camada 7 da Personalidade), deve dar um passo importante para a compreensão maior das coisas, mas precisa estar ciente que nem a indução nem a dedução são suficientes, por exemplo, para entender os princípios teológicos e cosmológicos envolvidos na Ciência Maior da arte. Portanto, excetuando-se a enunciação de dogmas e princípios cristãos, deve se contentar em ordenar as disciplinas para que apenas as teses melhor demonstráveis levem ao conhecimento liberal, dado como crença verdadeira justificada em homens livres, virtuosos e conscientes, campo que parte de uma lógica ou dialética mais científica para a etapa final da inteligibilidade de G, agora dada como a Literatura nos seus mais amplos e profundos conhecimentos. Então temos a etapa 2: DRG.
Agora temos um dilema, um problema digno de enfrentamento para quem esteja pelo menos na Camada 8 da Personalidade. Em nossa Modernidade, o crer para entender perdeu espaço para a completa incompreensão dos próprios métodos científicos. Justificar crenças verdadeiras virou sinônimo de provas demonstrativas por metodologias empiriométricas ou elucubrações de fábulas gnósticas. Se dedução e indução sempre geraram desentendimentos de linguagem, os homens perderam de vez a capacidade de lhe dar com simples equiparações entre possibilidades e razões necessárias. A riqueza da Linguagem não está em explicitar provas, deixemo-las para os peritos de medicina legal ante notícias de crimes, e sim, no bom uso de metáforas; e a metafísica possível da Trindade e da Encarnação, por exemplo, exige um grau de inteligibilidade tal que transcende verticalmente a imanência operativa das lógicas de primeira ordem, como do tipo
x é y, em A, se e somente se, dado A, x é y
(razão necessária, mas tautológica enquanto fechado em A).
Parte do dilema foi analisado por Tomas de Aquino e um pouco depois, com mais profundidade, por Raimundo Lúllio. Para Lúllio, nenhum juízo prático escapa à precedência possível da Metafísica, e mesmo atos aparentemente certos costumam, com o tempo, levarem a resultados desastrosos por equívocos do que é dizer “dado A”. E se A for algo como o contexto geral e universal da Criação ou Evolução, e, Eternidade ou Movimento (retilíneo, uniforme e inercial, ou não), Unidade ou Trindade, Encarnação ou Desencarnação, Razão ou Fé? Parte da solução lulliana, ao menos enquanto Metafísica, é necessariamente Teológica, e para dirimir equívocos entre esta e a Ciência e a Filosofia, a Arte da analogia (de proporcionalidade) é intrínseca ao contexto de aplicação sintática e semântica das artes práticas. Foi para melhor combinar razões e crenças que criou métodos de interpretação per equiparatio (= equiparação ou “suposições” de A, B, etc.). Nessa perspectiva, o mundo dos signos ganha força de expressão simbólica e propedêutica, enriquecendo a Linguagem na busca do bem e da verdade. Curioso que, por cima disso tudo, este Doutor Iluminado notabilizou-se, no séc. XIV, como mestre das narrativas, produzindo os primeiros romances sapientais da Europa ocidental.
Doravante, nesse campo árido, mas rico e belo, Retórica e Dialética passam a se desentender enquanto meios de significação lógica, epistemológica e ontológica, constituindo-se instrumentos limitados de hermenêutica e comunicação pedagógica. Para que tenhamos uma direção de encaminhamento, digamos de juízo prático de inteligibilidade humana, optemos por uma etapa mais segura e serena, em que a Tradição e a Alta Cultura, clássica, G (Literatura), seja a meta final provisória de uma etapa educacional que nunca se conclui, porque de um crescente ascendente — verticalizada! — que se aproxime sempre em Patamares maiores, como que numa curva assíntota, incansável, desafiante e luminosa. Fiquemos assim, etapa 3 (inverso de 1): RDG.
Resumindo:
G – D – R
Ênfase na GRAMÁTICA
Via indutiva
Memorização, fatos, habilidades básicas com sons, sonoridades, vocabulário, ativismo, descobertas, e movimentos de causa e efeito entre concreto & abstrato
Foco no O QUE? & QUANDO?
Desenvolvimento da força de conhecimentos acumulados e dos fundamentos
D – R – G
Ênfase na
LÓGICA
Via dedutiva
Debates acalorados, discussões, argumentos dialéticos e significativo-causais:
abstrato vs concreto
Foco no POR QUE?
Desenvolvimento de pensamento crítico e
conhecimentos disciplinares
R – D – G
Ênfase na
RETÓRICA
Via analógica
Debates continuados, discussões e argumentos
Estudos independentes, resolução de problemas, expressão de coerência simbólica & imaginativa,
Pensamentos originais e criativos
Foco no COMO ASSIM?
Qual o propósito? Qual finalidade disso?
Desenvolvimento do autoconhecimento e espírito criativo
——-
Em tempo: para os mais curiosos na filosofia da linguagem, em D, nunca abandonem o crer para conhecer, e, a título de treino da Arte, como arte das artes, leiam a Ars Brevis do Doutor Iluminado, em suas combinações de Figuras, Letras e tabelas de sentenças, disponível em https://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/artebreve.pdf. E para todos, como exemplo em G, o seu Felix e o livro das maravilhas, disponível no Amazon e nas melhores livrarias. E para não ficarmos sem algo de R, qualquer texto de Cícero ou Seneca…
As potencialidades das doze camadas da personalidade
(adaptado da apostila As dose camadas da personalidade, de Olavo de Carvalho e do site https://evolveconsciousness.org/trivium-in-reality-language-and-reality-pt-1/)
Camada 2 – 4: fase de desenvolvimento de habilidades motoras e de percepção sensitiva, com destaque nos atos da fala, em movimentos mais diretos de relações de causa e efeito. (lógica prêmio-punição).
Camada 5 – 7: fase de desenvolvimento da percepção abstrativa, inclusive matemática, com relativo discernimento de raciocínios indutivos e dedutivos com relativa depuração de elementos causais significativos, mais indiretos e de longo prazos, mas ainda com foco em objetivos e metas próprias, individuais e sociais. (lógica de depuração de erros e enganos).
Camada 8 – 11: fase de consolidação dos elementos perceptivos, intuitivos e racionais com foco em objetivos transcendentais e espirituais num sujeito mais independente, consciente e responsável. Pressupõem uso coerente de linguagens simbólicas e relativa ampliação do imaginário e dos horizontes de alcance pessoal, apologético e até místico. Tende-se às virtudes mais heroicas como que num ascendente assintótico, sem propriamente alcançá-la.
(Camada 12: reservada aos mestres, gênios e aos santos em suas virtudes heroicas.)
Pontos críticos de transição:
Camada 4 → 5 : livrar-se do egocentrismo por compromissos mínimos com o outro [descoberta da alteridade].
Camada 7 → 8 : aceitar-se os limites próprios dos compromissos sociais e buscar a superação espiritual [caridade e assimilação de graças supranaturais]
Camada 2-4 | Camada 5-7 | Camada 8-11 |
Unidade de estudos? Latim como parte do programa da arte da língua portuguesa | Unidade de estudos? Lógica formal e informal, raciocínios indutivo e dedutivo (falácias, silogismos, etc.) | Unidade do sujeito?Retórica e apologética(arte da persuasão e convencimento e sabedoria) |
Ênfase na GRAMÁTICA Via indutiva Memorização, fatos, habilidades básicas com sons, sonoridades, vocabulário, ativismo, descobertas, e movimentos de causa e efeito entre concreto & abstrato Foco no O QUE? & QUANDO? Desenvolvimento da força de conhecimentos acumulados e dos fundamentos | Gramática | Gramática |
Ênfase na LÓGICA Via dedutiva Debates acalorados, discussões, argumentos dialéticos e significativo-causais: abstrato vs concreto Foco no POR QUE? Desenvolvimento de pensamento crítico econhecimentos disciplinares | Lógica | |
Lógica | Ênfase na RETÓRICA Via analógica Debates continuados, discussões e argumentos Estudos independentes, resolução de problemas, expressão de coerência simbólica & imaginativa,Pensamentos originais e criativos Foco no COMO ASSIM?Qual o propósito? Qual finalidade disso? Desenvolvimento do autoconhecimento e espírito criativo | |
Retórica | Retórica |