Pensadores Antimodernos (cap. 1 – Raimundo Lullio)

Nascido em Maiorca por volta de 1232, Lúlio, apesar de casado, e pai de dois filhos, levava uma vida algo dissoluta até completar trinta anos. Certo dia, enquanto compunha um poema a sua amante predileta, teve a visão de Cristo crucificado a noite em seu quarto. No primeiro dia se escondeu debaixo da cama, apavorado. No segundo continuou onde parou, viu de novo e ficou mui desconcertado. No terceiro, mal tentara retomar, a terrível visão finalmente o fez galanteador de moças cair do cavalo. Se converte ao cristianismo, abandona esposa e filhos deixando a eles tudo que tinha e virou eremita. Valendo-se de seu talento tanto na escrita latina quanto árabe, e de sua interlocução com judeus e mulçumanos na Espanha recém libertada, se dedica com afinco a um novo modo de apresentar sua fé aos “infiéis”. Tomado de inusitado ardor missionário se propõem a fazer o livro dos livros, capaz de convencer gregos e troianos.

Deslumbrado, por um lado, com a conveniência da iluminação divina do cristianismo, de outro, entristecido com os notórios equívocos do judaísmo e do islamismo; por dez anos se propôs desenvolver este hercúleo esboço de livro. Enfrentando os infiéis da tradição e do magistério da Igreja, o projeto visa convencer pela arte luminosa da razão, sem (quase) recorrer a argumentos de autoridade eclesiástica ou de revelação sobrenatural. O resultado do empreendimento se fez repercutir até ao Papa João XXI, obtendo dele, em 1276,  a permissão de instituir nada menos que um Mosteiro de cunho educacional e bilingue, o mosteiro de Miramar. Lúllio contou com treze frades franciscanos para promover o diálogo com estudantes falantes da língua árabe implantando um colégio missionário, bem como para melhor desenvolver sua Arte. Animado, em 1288 intenta esclarecer sua Arte ao corpo discente da poderosa Universidade de Paris, mas talvez tenha encontrado alunos não tão bem preparados, que a consideram demasiadamente complexa. Doravante empreenderá várias versões de articulação mais didática enquanto enfrenta a oposição dos averroístas em Paris. Em 1308 chega a sua versão definitiva, a Ars Brevis, e escreve nada menos que 30 livros contra estes (lembrando que estes foram responsáveis pela absurda condenação de Tomas de Aquino pouco antes — condenação da unidade da alma). 

Somente em 1311, o Doctor illuminatus alcança o reconhecimento acadêmico pela aprovação de Francisco de Nápoles, chanceler da Sorbone, após o parecer favorável de quarenta mestres e bacharéis em artes e medicina. Nos anos seguintes participa do Concílio de Viena e, apesar de toda sua engenhosidade artística, se decepciona com os caminhos tomados pelas Universidades — sob o jugo dos monarcas tirânicos, pelo que doravante virá predominar sob a alcunha geral do que hoje denominamos de “nominalismo”. Tudo com a cumplicidade daquela parte do clérigo acadêmico derrotada. Segue para Túnis, e sob o violento jugo das terras islâmicas no norte da África, após sua terceira e mais arrojada incursão, falece de maus tratos físicos nos mares do Mediterrâneo, aos 84 anos.  

Em seus 265 livros catalogados, Deus, Cosmos, Natureza, Leis, Alma, Divindade, Animalidade, Lógica, Dialética, Retórica, nada lhe escapa do escrutínio natural  — da intuição e da razão natural, independente de conhecimentos revelados pela fé, extra-mentis, quando o objetivo é demonstrar racional e filosoficamente a superioridade inata do cristianismo em matéria de ciência, filosofia e teologia. 
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7.Seu Livro das Maravilhas, por exemplo, divide-se em dez partes, a saber: Deus, Anjos, Céu, Elementos, Plantas, Metais, Bestas, Homem, Paraíso e Inferno.    

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