Todos conhecem o “Dai a Cesar o que é de Cesar”, presente em três dos quatro evangelistas. A maioria, ao menos intuitivamente, saberá fazer bom uso dessa pérola de sabedoria em todos os tempos. O que poucos se atinaram é para o outro episódio, o de Mateus, o cobrador de imposto (!) relacionado à questão aí envolvida: a dos tributos.
O contexto deste episódio refere-se à questão de tributos de uma forma um pouco diferente. A passagem se refere a um caráter algo natural e algo de sobrenatural de pagamento do tributo do templo e é encontrada somente no Evangelho de Mateus. Vamos a ela:
Mateus 17:24-27 – Quando Jesus e seus discípulos chegam a Cafarnaum, os cobradores do tributo do templo perguntam a Pedro se Jesus não paga o tributo. Jesus, antecipando a pergunta de Pedro, usa a situação para ensinar sobre a liberdade dos filhos de Deus, mas também sobre evitar escândalo. Ele diz a Pedro:
“Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que subir, toma-o; e, abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-lhes por mim e por ti.”
Nesta passagem, Jesus instrui Pedro a encontrar uma moeda na boca do primeiro peixe que ele pegar, que seria usada para pagar o tributo tanto de Jesus quanto de Pedro. Este episódio ilustra tanto o reconhecimento de obrigações sociais quanto a provisão divina de maneira miraculosa, reforçando a noção de que Deus cuida das necessidades de seus seguidores enquanto eles cumprem seus deveres civis e religiosos.
Aos olhos dos modernos será um tanto miraculoso sair encontrando algo de valor na boca do primeiro peixe que um pescador possa capturar. Mas o caráter sobrenatural aí certamente visa simbolizar uma espécie de operação cisne negro da estatística em cenários mais naturais e “antifrágeis” (Taleb) do labor humano.
Vejamos primeiro o que é estáter: refere-se a uma antiga moeda de prata que era usada como meio de pagamento em várias regiões do Mediterrâneo durante o período helenístico e romano. Especificamente no contexto bíblico, o estáter tinha um valor significativo, suficiente para pagar o tributo do templo para duas pessoas. O tributo do templo, que é o contexto da passagem em Mateus 17:24-27, era uma taxa que os judeus pagavam anualmente para o sustento do Templo em Jerusalém. O valor do tributo era meio siclo, conforme a Lei Mosaica, que todos os israelitas deveriam pagar.
A moeda devolvida a Cesar era a moeda oficial pesada a ouro.
Portanto, o valor de compra da moeda seria equivalente a quatro dracmas ou dois siclos e cobriria exatamente o tributo do templo para duas pessoas, no caso, Jesus e Pedro. A história da moeda (local) encontrada na boca do peixe é notável por mostrar a providência divina de Jesus, ao mesmo tempo em que respeita as obrigações civis e religiosas da época.
Ora, se temos uma relação entre o uso Denário e do Siclo, temos alguma relação cambial. Enquanto o denário servia como a principal moeda de curso legal para propósitos administrativos e fiscais sob o governo romano, o dracma (grego) e o siclo (israelense) mantinham suas funções em contextos mais localizados ou culturais. Simbolicamente Jesus parece sugerir que se busque na natureza e nas atividade profissionais mais hodiernas, como da pesca, as necessidades e oportunidades de responsabilidade civil e social, autosustento e, porque não, geração de riqueza pessoal (sem esta não há muito que colaborar com a esmola generosa e o socorro aos mais desfavorecidos, não é mesmo?).
O Bitcoin vem claramente surgindo hoje como opção subsidiária às moedas fiat, de curso forçado, não mais respaldadas no lastro do ouro ou da prata, mas na confiança de políticos, banqueiros e grupos monopolistas. Como proponho em O que é Bitcoin, uma visão interdisciplinar (Ed. devenir, no prelo), os sinais da dança dos preços na economia indicam a rota de dinheiro sadio e a rota de um papel-moeda impuro, depauperado propositadamente pela politica dos juros negativos, da inflação e do aumento extorsivo dos tributos. Com relação ao monopólios, nos países mais livres os seus sinais não surgem de forma abrupta,
Infelizmente a nossa dura realidade é de que a moeda suja expulsa a moeda boa. Por outro lado, “a sorte é o resíduo do desígnio” (Murray, em A Guerra contra o Ocidente). A sorte vem ao encontro das virtudes e de oportunidades não desperdiçadas.
Entrementes, por sua base de reserva de valor deflacionária e sua rede descentralizada – mais condizente com a otimização dos recursos da natureza, em transações espontâneas e independentes de Bancos Centrais -, o Bitcoin emerge como uma alternativa algo residual, mas providencial. Deixemos a moeda suja para honrar compromisso civis e sociais e guardemos a boa para preservação de nosso patrimônio e quiçá, em breve, seu uso como valoroso meio de troca.
Talvez até melhor que não seja tão breve e imediatista,
Quanto mais pouparmos em bitcoins, quanto melhor percebermos os sinais do mercado físico e virtual, teoricamente melhor será nossa recompensa em termos de ganhos de poder aquisitivo.
Seria este o desígnio antifrágil maior do Bitcoin? quem viver verá, acompanhemos atentos.