Murilo Veras

Murilo Veras

Eng. Agro., MSc, Filosofia (esp)

O nebuloso mercado das moedas do conhecimento

NA ERA DO BITCOIN e da moeda fiduciária inflacionária em todo o mundo, vivenciamos um drama peculiar na área da economia. Semana passada o Bitcoin parecia ter ruído abaixo de um limite simbólico de risco, o patamar do U$ 20 mil, com queda de 65% seu valor nominal em poucos meses. Enquanto isso, após a emissão irresponsável de cinco trilhões pelo governo de Biden, em 2021, o dólar vem perdendo valor para moedas que ainda tem algum lastro, embora precário, pondo em risco todo o sistema monetário internacional, centralizado nos governos locais, sobretudo no FED americano. O dilema entre a centralização algo arbitrária, porque sem lastro claro, e a descentralização da criptomoeda-mestre, calcada em lastro matemático “puro”, há toda uma oscilação dos valores nominais que mascaram o entendimento de tendências dos principais indicadores econômicos.

Fazendo um paralelo bem rústico, mas algo indicativo, a oscilação da filosofia nos últimos 2.400 anos gira em torno de uma cosmovisão platônica, centrada nos ideais invariantes das formas universais, como que lastreada nas leis divinas, e as oscilações dos princípios de ordem formal  e contingência material das leis e da aleatoriedade das ciências naturais, nas cosmovisões de seguidores de Aristóteles. Interessante que quando apostamos nas ordens mais perfeitas das coisas divinas, nos deparamos com a descentralização de eventos singulares que escapam a razão, quando apostamos em alguma ordem nas leis naturais, no deparamos com um lastro extremamente precário, inerente ao entendimento de dados de natureza climática e epidêmica mas, principalmente, das perigosas ações humanas.

Não é essa a situação do homem moderno? Não bastasse as arbitrariedades de controle social ante a Covid temos agora a escassez de alimentos e demais commodities provocadas pela Guerra na Ucrânia. E a China segue forte como nunca na centralização de seus poderes — alavancado pelos seus monumentais investimentos no acúmulo de conhecimentos.

Mas o homem nunca desistiu de busca a felicidade, e a busca do lastro “puro” das leis divinas é uma esperança que se renova por todo esse tempo. Deus não seria nenhum Biden mágico que andasse a emitir sinais de valor precário para alimentar vãs esperanças de curto prazo aos cristãos, aqueles que apostaram toda sua vida nos valores permanentes de sua Igreja. Como tampouco abusa de seus poderes, sabe delegar valores de fé e caridade à razão e a intuição daqueles que o seguem com inteligência livre e vontade moral obediente.

Para Raimundo Lúllio (1226 – 1317) os valores permanentes da Igreja, ademais, estão calcadas em valores maximamente universais, ao modo mais platônico de bem, beleza e perfeição. Sua Arte combinatória ora desce destes para dar ordem as ações humanas, ora sobe das singularidades das razões e afeições naturais deste para, a um modo algo aristotélico e algo probabilístico, depurar vícios e direcionar virtudes duradouras e precárias ante as contingências dos mundos possíveis de Leibniz. Entrementes, como nos dilemas de centralização e descentralização na Economia, temos um problema de escala de visão no mundo das medições espirituais e na economia das percepções de ser e não-ser dos valores universais. Alberto Magno, provavelmente o que efetivamente detinha a maior coleção de dados e informações científicas (geografia, química, mineralogia, etc.) e filosóficas em um único lugar, bem sabia da importância do trivium na ordenação das linguagens teológica, filosófica, e das artes da natureza, para o melhor entendimento dos novos avanços do quadrivium. Também estava ciente das confusões terminológicas que a intepretação árabe de Aristóteles provocaria nas artes “científicas” que estavam surgindo, principalmente as decorrentes da cosmovisão dicotômica corpo-espírito de Averróis.

É verdade que algumas poucas gerações após Gengis Khan, a dinastia Khan notabilizou-se por promover a Astronomia e a Aritmética nas imediações entre a Ásia Maior dos mongóis e Menor do árabes. Talvez nunca se tenha visto tamanho desenvolvimento das artes dos números, campo da ciência quantitativa do quadrivium escolástico que se seguiu. Parte dos resultados práticos vieram com a filosofia árabe, parte da construção dos maiores observatórios astronômicos da época que mais tarde devem ter contribuído para a formulação do sistema heliocêntrico de Copérnico.

Mas por que agora comparar o já conhecido tacão de colonização imperialista da dinastia mongol com a escolástica nos primórdios da criação das Universidades? Bom, a depender de nosso mais premiado cientista, o Sr. Miguel Nicodelis, médico e premiado neurofisiologista — matéria de capa das melhores revistas internacionais de Ciências —, Gengis Khan é modelo de promoção científica e cultural a ser seguido. Entrevistado pelo Marcelo Gleiser, justificou que naquela época (séculos XI a XIII) eles promoviam encontros entre os sábios da região e sabiam (!) ouvir as mais diversas correntes culturais e religiosas, numa região que aglutinava o leste da Europa, Oriente Médio e Índia no (movimentado) centro-oeste da Ásia (em torno da famosa rota da seda?!).

Balle! Quem sabe temos não temos aí um lastro matemático de ordenação da razão esperando a evolução iluminista para redimir a verdadeira mentalidade científica? O cientista brasileiro reconhece que o iluminismo atrasou os avanços do conhecimento em visões mecanicistas, e o entrevistador bem lembrou o paradigma fisicalista quebrado pelo lógico-matemático alemão, naturalizado americano, Kurt Goedel (nos idos de 1930), mas ambos, Nicodelis e Gleiser — ambos admiradores da astronomia meramente descritiva e de entidades superiores alienígenas —, concordaram que as Universidades precisam de uma espécie de FED curricular americano para regulamentar com mão forte um suposto uso racional dos conhecimentos universais ao mesmo tempo que a intuição livre de estudantes e pesquisadores continuaria a fomentar espontaneamente descobertas criativas e inéditas.

Parece que razão e intuição viraram moedas de troca num jogo de poder regulatório e livre iniciativa pessoal, numa confusão dos diabos quanto a apreciação e ao uso do conhecimento. Outrora, naquela Idade das Trevas das Ciências, as Artes Liberais didaticamente delineada por um Hugo de São Vitor contribuíam para que as artes das coisas quantitativas, incluindo geometria e música, se ordenassem a serviço das artes da linguagem humana e essas denotavam melhor as contribuições dos conhecimentos contemplativos e dos conhecimentos moral e socialmente utilitários. Enquanto o ouro e a prata davam lastro para transações econômicas, a cidade de Deus e a cidade dos homens tinham como referência comum, não a dicotomia radical de Averróis e Descartes, e sim os valores cristãos.

Somente com a dignidade delegada pelo cristianismo teremos a moeda fiduciária do ser em luta contra ilusões e falsos valores. Quanto menos cristianismo, maior a delegação ao Estado, e este retribuirá o pagador de impostos com medidas socioeducativas e o fomento da espiral do silêncio num nebuloso mercado de conhecimentos imaginativos.

Entre o Bitcoin e o FED, cientistas tolos e mal informados continuaram a manipular a história em favor daqueles que os financiam.    

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