Em post anterior contrapomos as Artes Liberais da escolástica aos programas de desenvolvimento proto-científico da dinastia Khan e da filosofia árabe, enaltecida por um neurocientista brasileiro hoje muito em voga. Ao contrário dos programas de incentivo asiático da época, as Artes Liberais do trivium e quadrivium na Europa medieval mesmo hoje bem podem modelar algo de nossa visão de mundo respeitando as nuances afetivas e racionais da vivência concreta de cada estudante e potencial mestre de ensino. Parte da maestria de Trucides, Euclides, Cícero, Boécio, Quintiliano e Filolau são recomendados em homeschooling independente nos EUA, desde os 12 anos de idade, para citar alguns nomes praticamente desconhecidos no ensino brasileiro.
Naquela época muitos deles eram estudados do original em latim ou grego (este mais na Inglaterra, pela grande influência de alguns notáveis monastérios e da Universidade de Oxford, aquele pela abadia de Clune, por franciscanos, dominicanos e pela Universidade de Paris). Eu mesmo confesso que li muito pouco deles diretamente pois minha educação secundarista nesse aspecto foi paupérrima e pulei etapas partindo, aos 46 anos de idade, para filósofos e historiadores de maior peso, que de qualquer maneira os citam inúmeras vezes.
Entrementes, pelo menos dois livros relativamente recentes sugerem um roteiro de ensino para pais e filhos de todas as idades: A tradição das artes liberais, de Kevin Clark e Ravi Jain e Ensinando o trivium, de Harvey e Lauren Bluedorn. O primeiro prima por uma bibliografia de consulta e aprofundamento imensa, organizada etapa por etapa de evolução dos temas mais importantes, em visão interdisciplinar, como convém a um core curriculum. A maior importância do segundo é o roteiro mais amiúde de pedagogia cristã, dos 8 aos 21 anos, quase que ano a ano. A título de exemplo, ali proíbe-se o ensino de matemática abstrata antes dos 10 anos e poucos anos depois já sugere a leitura dos Elementos de Euclides! Tem sentido, se considerarmos que o abstracionismo antes do tempo prejudica a fase mais lúdica da criança, cuja prioridade é a prática da gramática portuguesa, línguas estrangeiras e literatura geral mais apropriada a essa fase mais sensitiva.
A abordagem aos teoremas de Euclides pode depois ser acompanhada de suas implicações nas ciências particulares, mais demonstrativas que indutivas. Importa mostrar que não se faz ciência apenas de dados empíricos nem somente de formalizações matemáticas sofisticadas; ou para apresentar-lhes o mundo da lógica, sem as complicações (devidas ou indevidas) da lógica moderna. A metodologia é orientativa, mas cabe aos pais seguirem um pouco sua intuição conforme um direcionamento crescente, ora para as ciências exatas, ora humanas, de acordo com a resposta e a vocação dos filhos. E desde sempre, o espírito de amor ao cristianismo.
Uma curiosidade, os autores citados são protestantes que demonstram grande fidelidade ao ensino cristão de todas as épocas. Infelizmente os católicos brasileiros ainda são devedores de um projeto editorial apropriado a um nascente homeschooling em toda a América Latina. Estamos eivando esforços para editar parte da série “guia do estudante” do Intercolegiate students institute – ISI. Um dos primeiros lançamentos seria de Core curriculum, o guia essencial das disciplinas sob a tradição das artes liberais. Aguardemos.